27 dezembro 2005

O amor cicatriza feridas

O amor cicatriza feridas

Jorge Lorente.

A região estava coberta pela neve. O frio era insuportável, principalmente à noite, quan­do a temperatura atingia seu ponto mínimo.

Nas tocas, nos abrigos mal veda­dos e úmidos, muitos animais não re­sistiam ao frio e acabavam morrendo. Algo precisava ser feito urgentemen­te: caso contrário, todos morreriam. Foi quando alguns animais, instinti­vamente, perceberam que, mantendo se bem juntinhos uns aos outros, bem próximos entre si, era possível resis­tir e viver. A solução era permanecer juntos para absorver o calor uns dos outros. Mas essa alternativa parecia impossível para a comunidade dos porcos-espinhos, pois estes se fe­riam quando ficavam muito próximos daqueles que lhes davam calor.

Começou ai a confusão. O calor tinha um preço muito alto. Aquecer­-se, significava também receber arra­nhões, ferimentos. Poucos aceitaram a idéia. Diante dos doloridos espi­nhos, os mais nervosos e individua­listas irritaram-se, afastaram-se dali, e morreram congelados.

Outros, no entanto, foram mais pacientes, e tomaram cuidado para não ferir e não sair feridos. Eventuais espinhadas eram, imediatamente, se­guidas de pedidos de desculpas: as­sim, tolerando-se mutuamente, per­doando e pedindo perdão, permane­ceram juntos e sobreviveram. O sacrifício preservou a vida.

Assim é a vida em comunidade, assim é a amizade e a vida familiar. Temos tanto calor para dar, e uma ne­cessidade maior ainda de receber; no entanto, somos incapazes de convi­ver com as feridas provocadas pela proximidade da convivência. Como é insuportável a dor causada pelo espi­nho do outro, não percebemos como são afiados nossos próprios espinhos.

Com vontade de sobreviver e de re­ceber calor, procuramos o próximo com toda a nossa força, sem a menor preo­cupação de quanto estamos ferindo.

Uma coisa é certa: é impossível resistir ao inverno e à frieza do mundo sem união e sem amor. O perdão é o único remédio capaz de cicatrizar as feridas provocadas pela convivência e a tolerância é o sacrifício necessá­rio para preservar a vida.

Se com os irracionais deu certo, não vejo por que precisa ser diferen­te com os donos da razão. Sejamos, portanto, racionais. Ser racional é acre­ditar no amor. É crer no Deus da Uni­dade, que conhece nossas limitações e vive a expectativa de ver este seu pedido realizado:

"Que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste" (João 17, 21).


O Mensageiro de Santo Antônio.
Santo André: Associação Antoniana dos Frades Menores Conventuais.
Ano XLVIII – n.10 (dezembro de 2005), p.19
www.omensageiro.org.br

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